QUINTAIS AGROFLORESTAIS: Composição e Importância para Comunidades Tradicionais da Região do Lago Grande, Santarém Pará
QUINTAIS AGROFLORESTAIS: Composição e Importância para Comunidades Tradicionais da Região do Lago Grande, Santarém Pará
Jeferson Figueira de Sousa (UNINTER), Cristina Aledi Felsemburgh (UFOPA)
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INTRODUÇÃO
O cultivo de plantas nos quintais rurais é uma tradição que tem passado de geração em geração, usando vegetais alimentícios, medicinais, ornamentais e espécies florestais, as quais possuem uma intrínseca relação com a cultura dos residentes. Com isso, os quintais são considerados como verdadeiros bancos de recursos genéticos, devido à ocorrência de uma diversidade de espécies cultivadas (CARNIELLO et al, 2010).
A característica mais importante dos quintais agroflorestais deve ser a estabilidade ou sustentabilidade ecológica. Esta sustentabilidade resulta da diversidade biológica promovida pela presença de diversas espécies vegetais e, ou animais, que exploram nichos diversificados dentro do sistema (COSTA & PAULETTO, 2021).
Na Amazônia, os quintais se relacionam de diversas maneiras no cotidiano das comunidades tradicionais, devido as dificuldades socioeconômicas, baixa renda das pessoas e dificuldades logísticas, o que interfere na aquisição de medicamentos e produtos alimentícios do dia-a-dia das pessoas.
Os quintais agroflorestais são de suma importância para as comunidades tradicionais e para a sociedade, pois constituem-se como alternativa de produção sustentável para as famílias. Seus arranjos são feitos utilizando diversas espécies de plantas, que constituem um banco genético de vegetais, contribuindo para a conservação da biodiversidade local, fonte de alimentos saudáveis e renda, além de caracterizar a identidade cultural das comunidades, pois o manejo destes espaços faz parte do modo de vida e garantem o acesso à terra das famílias.
Nesse sentido, objetivou-se identificar as espécies botânicas mais cultivadas, importância e utilização dos quintais em comunidade tradicional na região do Lago Grande, Santarém Pará.
O presente estudo foi realizado na comunidade de Maranhão localizada na rodovia PA-257 (Translago) na região do Lago Grande, município de Santarém, Pará, Brasil. A região do Lago Grande está inserida no Projeto de Assentamento Agroextrativista – PAE Lago Grande com extensão de 250 mil hectares, composto por comunidades das regiões do Arapiuns, Arapixuna e Lago Grande, contemplando 144 comunidades localizadas entre os rios, Amazonas, Tapajós e Arapiuns no oeste do Pará, constituídas como comunidades tradicionais. Nessa região residem famílias que vivem da pesca, extrativismo, agricultura familiar e de outras atividades de baixo impacto ambiental.
O estudo de campo foi realizado no período de janeiro de 2021 a janeiro de 2022. O delineamento amostra foi definida como um conjunto de todos os quintais das casas instaladas na comunidade Maranhão, contabilizando o total de 41 residências, ou seja, 41unidades amostrais. O método investigativo baseou-se na técnica qualitativa, sendo a coleta de dados realizada por meio de observação direta (in loco); análise documental, estatuto e plano de utilização de recurso da ASMOCMA, entrevistas abertas e observação dos participantes, bem como técnicas quantitativas por meio de para contagem da diversidade das espécies cultivadas (ROSSATO et al., 1999).
As entrevistas foram desenvolvidas, especialmente com moradores responsáveis pelos cuidados nos quintais e basearam-se em um roteiro com perguntas abertas e fechadas para obtenção de informações com precisão sobre as plantas cultivadas nessas áreas, bem como a forma de utilização das mesmas. Posteriormente a realização das entrevistas, foram feitas caminhadas pelos quintais acompanhadas do morador com o intuito de reconhecer e identificar as plantas citadas nas entrevistas.
Foram realizadas coletas de material botânico de plantas não reconhecidas pelos moradores e posteriormente identificadas com o auxílio de chaves de identificação botânica e por meio de comparação de plantas vivas através de fotos disponíveis em sites do Sistema de Informação Sobre a Biodiversidade Brasileira – SiBBr, acessível na plataforma https://ala-bie.sibbr.gov.br/ala-bie/species/293387; Catálogo Taxonômico da Flora do Brasil 2020; Informações botânicas de espécies brasileiras e The International Plant Names Index – IPNI, versão digital, acessível pelo site www.ipni.org.br, bem como através da literatura especializada utilizando o sistema de classificação APG IV – Angiosperm Phylogeny Group, 2016; manuais Etnobotânicos e Manual Técnico de Vegetação Brasileira.
Os dados qualitativos obtidos como respostas aos questionários e entrevistas foram sistematizados em um banco de dados por meio de programa Excel (2007), analisados e organizados em tabelas e gráficos. Para os dados quantitativos realizou-se cálculo de média simples, para as espécies botânicas mais cultivadas, e, cálculo de densidade total das 10 espécies mais cultivadas nos quintais da comunidade.
De um total de 41 quintais visitados, 32 são cuidados por mulheres (78%) e nove por homens (22%), isso devido suas habilidades de observação, ou por ser a responsável muitas vezes pela família, desde a preparação dos alimentos até os cuidados com as pessoas. Resultados semelhantes foram observados Souza (2010), em que dos 54 quintais estudados, 46 foram informantes do sexo feminino (85,2%) e 8 do sexo masculino (14,8%).
As mulheres são as principais responsáveis pelas tarefas de cultivo e tratos culturais realizados nos quintais (RODRIGUES et al., 2015; SILVA et al., 2015; CUNHA; BORTOLOTTO, 2011) e assumem grande importância no cuidado com as plantas, pois exercem as atividades que variam do cultivo, manejo dos quintais até a escolha das espécies plantadas, o que pode depender de sua necessidade de colher produtos que podem ser usados no dia-a-dia.
Foram identificadas 178 espécies de plantas distribuídas em 71famílias botânicas cultivadas nos 41 quintais da comunidade. Tais resultados assemelham - se aos encontrados por Costa & Mitja (2010) em seu estudo sobre o uso de recursos vegetais por agricultores familiares em Manacapurú – AM, em que identificaram 173 espécies vegetais cultivadas e utilizadas de modo geral; 125 espécies botânicas identificada em estudo sobre uso e diversidade de espécies cultivadas na reserva de desenvolvimento sustentável de Tupé – AM (SANTOS et al., 2009); 155 espécies de plantas identificadas em estudo sobre quintais agroflorestais e cultivo de espécies frutíferas na Amazônia (LUNZ et al, 2007) e 180 espécies identificadas em estudo etnobotânico em comunidade de Conceição Açú – MT (PASA et al., 2005).
As plantas possuem grande importância na vida das pessoas do meio rural, pois estão intimamente ligadas às suas necessidades do cotidiano, sejam alimentares, culturais ou por serem tidas como recursos alternativos no tratamento de enfermidades, bem como elemento paisagístico para organização e harmonização dos locais de moradia (SALATINO, 2001).
Dentre as 178 espécies vegetais identificadas, 72 espécies cultivadas pelos moradores são utilizadas na alimentação ou são plantas frutíferas (40,5%); 36 espécies cultivadas com caráter medicinal (20,2%) e 70 espécies cultivadas para jardinagem (39,3%), sendo as plantas frutíferas que dominam a paisagem dos quintais da comunidade. Rodrigues et al. (2015) 77% dos quintais entrevistados eram compostos por de plantas frutíferas.
Dentre a diversidade de espécies presentes nos quintais destacam-se 15 espécies de plantas (figura 4) mais cultivadas para alimentação humana, sendo as mais expressivas a manga (M. indica L.) cultivada em 28 quintais (68,3%); laranja (C. sinensis L.) 27 quintais (65,9%); banana (M. acuminata Colla) 23 quintais (56,1%); murici (B. verbascifolia L.) 21 quintais (51,2 %); abacate (P. amaricana Mill) 20 quintais (48,8%).
Estes resultados se assemelham aos encontrados por Boscolo (2013) no qual destaca as espécies mais cultivadas e utilizadas na alimentação sendo A. occidentale; M. indica.; A. muricata.; C. nucifera.; P. americana; B. sericea.; M.glabra; P. guajava; E. oleracea, C. niucifera. e P. americana.
As espécies vegetais com uso medicinal cultivadas com maior frequência nos quintais destacam – se o T. pratense L (trevo roxo); C.citratus D.C Stapf (capim santo); M. officinalis L. (erva-cidreira); C.forskohlii Willd. (anador); A. chica Humb. Bonpl. (crajiru); V. agnus-castus L. (pau-de-angola); J. pectoralis Jacq. (melhoral); e J. curcas L. (pião branco) pertencentes às famílias botânicas Fabaceae; Poaceae; Verbenaceaae; Lamiaceae, Bignoniaceae, Acanthaceae e Euphorbiaceae, respectivamente. Resultados semelhantes foram encontrados por Borges & Bautista (2010) em estudo etnobotânico sobre plantas medicinais realizado no litoral norte do estado da Bahia no qual identificaram 37 famílias botânicas, sendo as famílias Asteraceae e Lamiaceae as mais frequentes, cada uma com oito espécies descritas.
Com uso na jardinagem, foram identificadas 39 famílias botânicas que abrangem as 70 espécies, sendo as mais representativas Araceae (12 espécies); Commelinaceae (5); Apocynaceae (4); Araliaceae (4) e Asparagaceae (3). A avaliação da representatividade de plantas ornamentais em Abaetetuba, Pará, mostrou a Araceae como família botânica mais expressiva, seguida de Asparagaceae e Rubiaceae (LOBATO; et al., 2017).
Com isso, adotar uma visão de longo prazo para lidar com questões de insegurança alimentar e diminuição da pobreza, significa, necessariamente, adotar práticas agrícolas mais sustentáveis e os quintais agroflorestais são um exemplo destas práticas (FOOD, 2015).
A diversidade de espécies botânicas alimentícias identificadas nos quintais da comunidade Maranhão, demonstra a importância do cultivo para as pessoas residentes em comunidades tradicionais, seja pelas condições socioeconômicas ou por questões culturais.
Além disso, as plantas cultivadas nesses espaços ao longo das gerações evidenciam a preocupação dos comunitários na conservação das espécies, que ao cultivarem em seus quintais garantem a permanência dos vegetais e com isso, desfrutam dos serviços ecossistêmicos proporcionados por estes seres.